2300km em 4 dias – Uma mini-epopeia pelo sudoeste da Arábia Saudita 🇸🇦

  • 08.02.2023 17:15
  • Bruno A.

Para a sua última semana em Jeddah, o nosso editor fez-se à estrada para uma roadtrip intensiva de 2300km em 4 dias. Por entre vilas históricas, paisagens de montanha, torres de lama e ilhas paradisíacas,

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Quando vamos de férias há sempre energia para tudo, não é verdade? Sejam 3, 7, 10 ou 15 dias, faz-se o que for necessário para que se possa ficar a conhecer minimamente o destino escolhido. Bem, acontece que, no meu registo de viagem, é necessário escolher as batalhas certas.

Especialmente num destino tão massivo como a Arábia Saudita, é obrigatório fazer as pazes com o facto de que, mesmo ficando um mês em cada país, muitas das vezes não é possível ver tudo aquilo que desejaríamos. Afinal, há trabalho a entregar, horários a cumprir, refeições a preparar, roupa a lavar e compras a fazer. Para além disso, e para bem do meu corpo, carteira e saúde mental, ter uma base fixa, ao invés de ir ficando num sítio diferente a cada 3/4 dias, é requisito obrigatório.

Posto isto, há situações em que a wanderlust fala mais alto e me vejo obrigado, até por uma questão de conveniência, a ficar fora da base durante uns 4 dias. Normalmente, isso acontece quando quero visitar locais particularmente longínquos, em que perderia as duas folgas semanais só nas viagens de ida-e-volta, dando-se a inusitada circunstância de ter que trabalhar metade desses 4 dias (os restantes são folgas) em sítios completamente aleatórios, normalmente longe da civilização.

Foi precisamente isso que aconteceu na semana passada, quando peguei no carro e me fiz à estrada para uma travessia de 2300km por vilas históricas Sauditas e zonas montanhosas, até bem junto à fronteira com o Yemen, antes de descer até Jizan e às suas paradisíacas Ilhas Farasan.

 

Dia 1 – As “Heritage Villages” de Dhee Ayn e Rijal Alma

O dia começou bem cedo em Jeddah. O plano passava por chega a Abha – a cidade com maior altitude da Arábia Saudita – a tempo de começar a trabalhar a meio da tarde, parando pelo caminho nas vilas históricas de Dhee Ayn e Rijal Alma. Assim, e ainda bem antes do sol nascer, fiz-me à estrada no fiel Suzuki que me acompanhou ao longo de todo mês.

Como em praticamente todo o resto do país, as estradas Sauditas são fabulosas, embora os radares sejam uma constante. Seja como for, e em cerca de 4 horas, tinha chegado à primeira vila histórica do dia, mesmo a tempo da hora de abertura. Há uma certa Portugalidade em Dhee Ayn. Uma familiaridade que provém do facto de todos os edifícios serem construídos em xisto, à semelhança de muitas aldeias dos Trás-os-Montes e das Beiras. No entanto, parece que a famosa megalomania Saudita já vem de outros tempos. Se em Portugal se construíram casas neste material, na Arábia Saudita ergueram-se verdadeiros prédios, que haveriam de ser ainda maiores quando chegássemos à segunda vila histórica do dia.

É bonita, Dhee Ayn. Nota-se que já foi praticamente toda remodelada, e é provavelmente a primeira vila histórica Saudita a estar pronta no âmbito da Visão 2030. O governo local não brinca em serviço, e o plano passa por renovar dezenas destas localidades antigas e prepará-las para receberem turistas de todo o mundo. Se hoje visitei duas, talvez daqui por 5 anos existam dez à escolha, só nesta região. Aliás, a presença de ruínas em xisto no topo de colinas é uma constante no caminho entre Dhee Ayn e Rijal Alma, com um novo povoado abandonado a surgir e a pintar a paisagem semiárida a cada 5km.

A minha expectativa estava no alto para Rijal Alma, tendo sido provavelmente este o primeiro sítio que me fez querer visitar a Arábia Saudita, quando tropecei numa fotografia aleatória de um qualquer blog de viagens sobre destinos fora-da-caixa. Desde então, o país passou para o cimo das minhas prioridades, tudo graças a esta pequena vila outrora abandonada. Sinto o entusiasmo a crescer à medida que me aproximo e começo a ver as primeiras placas com o seu nome. A autoestrada dá lugar a uma via de duas faixas que começa a serpentear pelas colinas, à medida que as placas passam a ter um aspecto cada vez mais rudimentar. Espreito pelo vidro da janela do passageiro à medida que avanço lentamente, mas a paisagem não me dá nada, e não consigo perceber quando é que a rua se irá finalmente abrir e desvendar a praça ampla que tantas vezes vi nas fotos. Até que a minha cabeça roda para o meu lado esquerdo, e finalmente a vejo.

Com o mesmo entusiasmo de um miúdo quando vê um embrulho, estaciono o carro à pressa. Já não tenho muito tempo, e quero aproveitar bem cada pedacinho. Afinal, a Arábia Saudita não é propriamente o destino mais acessível (em todos os sentidos) do mundo, e não sei quando/se cá voltarei. Devo dizer que Rijal Alma é exactamente como a imaginava. Ampla, mas resguardada. Popular entre os locais, que estendem as toalhas e fazem piqueniques na praça principal, mas ainda desconhecida do público internacional, sendo que contei apenas uma mão-cheia de forasteiros, já comigo incluído. Entretanto, dispara o Adhan da mesquita da vila, e pouso a câmara no colo. Durante 30 segundos, fico a ver os miúdos a dar chutos a uma bola com aqueles enormes prédios de xisto em plano de fundo, enquanto o chamamento para a oração ecoa bem alto por entre o vale. Sorrio e viro costas, numa despedida silenciosa ao meu “ideal” da Arábia Saudita, antes de regressar ao carro para o último trajecto do dia.

O caminho entre Rijal Alma e Abha, onde iria trabalhar e dormir nessa noite, implica um ganho superior a 1000 metros de altitude e a subida de um rochedo que faz o de Gibraltar parecer uma miniatura. Ainda por cima com trânsito! Caríssimos, aquilo era tão inclinado e movimentado que se o meu fiel Suzuki fosse de transmissão manual arriscava-me a acabar a viagem com cãibras no gémeo esquerdo! À medida que me aproximo do topo, vão aparecendo cada vez mais babuínos à face da estrada, uma visão mais que recorrente durante o meu tempo em Abha. Chegado ao cimo, e com um corte repentino de 50% na temperatura do ar, faço o último troço até Abha.

 

Dia 2: Abha, a cidade mais alta da Arábia Saudita

Sabem quando temos as expectativas tão baixas quanto a um destino que a única coisa que pode acontecer é sermos surpreendidos? Foi mais ou menos isso que aconteceu com Abha. Esta cidade não está propriamente destacada nos guias turísticos do país, mas era o sítio perfeito para passar a noite e interromper a viagem entre Rijal Alma e Najran, o destino que se seguiria.

A intenção inicial até era partir logo de manhã para Najran e começar o turno o mais cedo possível, mas já que aqui estava, mais valia ver o que a cidade tem para oferecer. Abha é uma cidade bastante popular entre os Sauditas durante o Verão. Por causa da sua altitude, e ao passo que as restantes cidades estão a encostar nos 45º ou até mesmo 50º durante esses meses, Abha raramente passa dos 30º. Para além disso, Abha está rodeada de montanhas e parques nacionais, uma actividade apelativa num país que adora campismo selvagem. No entanto, a minha visita coincidiu com o Inverno, por isso não houve cá montanha para ninguém – um ambiente onde, confesso, nunca me consigo sentir 100% confortável.

Seja como for, passei um bom bocado a explorar Abha. Curiosamente, há pouca ou nenhuma informação online sobre atracções ou locais a visitar, pelo que foi uma manhã passada um pouco aos apalpões. Ainda assim, deu para explorar o centro histórico, actualmente em renovação depois de décadas de abandono, passear pelo quarteirão das artes e ver as vistas a partir da Dabbad Walkway, o miradouro mais espectacular da cidade. Ah, e para ver macacos aos magotes!

Para a despedida, uma refeição tradicional num buraco aleatório. Bom, farto e barato – como se quer! Fun fact: nestes restaurantes mais tradicionais come-se sempre sentado no chão, numa área alcatifada onde não se pode entrar calçado, e sem talheres! Yap, até o arroz é comido com as mãos.

 

Dia 2: Najran, um pedacinho do Yemen

Surpreendentemente, Najran acabou por ser o ponto alto desta escapadinha.

Ali, a meros quilómetros da fronteira com o Yemen, respira-se um país diferente, e o turismo praticamente não existe, com pouco mais de duas dezenas de hotéis à escolha após uma pesquisa rápida pela Booking. Sou uma verdadeira ave rara por estas bandas, mas, paradoxalmente, não encontrei, até ao momento, sauditas tão simpáticos como estes.

Onde quer que vá, os carros apitam e param só para me cumprimentar. Perguntam de onde sou, dão-me as boas-vindas e ainda me convidam a tomar chá. Num restaurante, um local pergunta se já visitei o Palácio Aan. Quando respondo que infelizmente não foi possível, por estar encerrado, fica mais consternado que eu e oferece-se para ligar a alguém que poderá abrir o portão propositadamente para mim. Agradeço de braço encostado ao peito, dizendo que não é necessário porque o resto da cidade já é suficientemente bonita. É um povo com um coração e uma hospitalidade enormes.

Najran é um tesourinho. Uma cidade pequenina, repleta de torres e palácios em adobe, com um estilo completamente diferente do resto do país. Confesso que a meio do trajecto me esqueci do motivo pelo qual inclui esta cidade na minha lista de sítios a visitar. Há pouca informação online, por isso dificilmente terá sido algo que tenha lido. Talvez uma imagem, uma foto, uma recomendação? Talvez tenha sido a proximidade com o Yemen, país com o qual fantasio há uma boa temporada? Confesso que já nem sei.

Mas ao olhar para as construções, altas e feitas com uma mistura de lama, areia, água e palha, é impossível não lembrar o país vizinho, que durante muitas gerações controlou este mesmo território. Aliás, há apenas 100 anos atrás, estaria tecnicamente em terras Yemenitas. Quando me afasto da cidade e entro montanha adentro, a população das aldeias reforça essa ideia. As vestes são culturalmente Yemenitas, com as coroas de flores, as cintas coloridas e a jambiya, um punhal com que os homens se fazem acompanhar.

Foi assim Najran, uma cidade presa entre dois mundos, dois países e duas culturas, que, embora semelhantes, estão separadas por um mundo de diferença no que toca a paz, prosperidade e influência. Uma cidade que, simultaneamente, me fez gostar ainda mais da Arábia Saudita, e reforçou a minha vontade de um dia visitar o Yemen. Uma verdadeira surpresa, num cantinho insuspeito da Península Árabe!

Infelizmente, a manhã fantástica que passei em Najran foi contrabalançada pelo percurso terrível até Jizan, junto à costa. 5h30 para fazer 300 quilómetros, numa estrada montanhosa, em constante sobe-e-desce, cheia de gravilha e lombas. Foi já ao anoitecer que cheguei a Jizan, completamente estourado. Aliás, estava mais cansado neste dia, que era de folga, do que nos dois anteriores em que foi necessário conciliar a jornada de trabalho!

Mas estava motivado, pois estava prestes a entrar no paraíso. Façam aí uma pausa na leitura e googlem “Farasan Islands”. Era lá que iria passar o dia seguinte, já com um tour de barco agendado, com direito a almoço e até snorkeling nas águas quentinhas do Mar Vermelho.

Já estava a imaginar…

 

Dia 4 – As Ilhas Farasan… ou talvez não!

Sabem aqueles dias em que mais vale não sair de casa? Este foi, provavelmente a alguma distância, o dia mais frustrante que passei no país desde os problemas com o apartamento à chegada… e olhem que desde então já tive que ir ao estádio ver o Al-Ettihad, treinado pelo NES!

Para começar o dia em grande, acordei com uma gastroenterite monstra. Das valentes, em que parece que a Marinha Portuguesa decidiu organizar o Campeonato Nacional do Nó Cego nas tuas entranhas. Contra todos os apelos da minha honradíssima esposa, de longe a pessoa com melhor senso nesta parceria vitalícia, decidi que queria mesmo ir e que aguentaria o que fosse preciso. Afinal, que mal faria uma gastroenterite, num barquito a motor sem wc no meio do mar? Esta foi obviamente uma introspecção que não fiz, caso contrário nem me teria levantado da cama.

Com o ferry para as Farasan a partir às 07 da manhã, onde teríamos o pequeno barco à nossa espera, lá arrepiei caminho rumo ao Porto de Jizan. Após meia hora de espera junto ao cais, e com as dores a ficarem cada vez piores, decidi voltar ao carro. Sentei-me ao volante e ponderei durante 5 minutos. Respirei fundo, enfrasquei outro Benuron e voltei ao cais. YOLO, right?

Já dentro do ferry, só rezava para que a viagem começasse o mais rapidamente possível. Estava assim com tanta pressa? Nada disso, as casas de banho é que só abriam depois do barco partir! Outra nota importante: são raríssimos os wc públicos com sanita. Aqui a arte do agachamento ainda é apreciada. Com o balançar do ferry contra as ondas, tinha tudo para correr bem.

Já eram 07h30, e o barco, que já devia ter partido há meia hora, continua atracado. Do nada, um senhor, aparentemente mal-disposto, faz um comunicado em árabe através do altifalante. Os restantes passageiros parecem confusos. Eu estou na mesma. Entra a polícia e começa a mandar o pessoal ir embora. Tento perguntar o que se passa, mas ninguém fala inglês. Há 37ª tentativa, um jovem, aparentemente jornalista de um canal local, lá nos diz que a viagem foi cancelada devido a más condições de visibilidade no mar.

Igualmente frustrado e aliviado regresso ao hotel. Coço a cabeça e lembro-me que ainda tenho 8 horas para fazer até Jeddah, porque amanhã já é novamente dia de trabalho.

Um final inglório para uma aventura incrível. Ilhas Farasan, fica para a próxima!

 

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