Beirute – Crónica de uma cidade à beira do abismo 🇱🇧

  • 03.12.2022 17:00
  • Bruno A.

O Bruno, editor do DeFérias.pt, está de visita ao Líbano e vai partilhar crónicas semanais sobre o país. Começamos com Beirute, uma cidade a atravessar umas das piores crises económicas e sociais de que há memória. Mas por entre cicatrizes de guerra, explosões e protestos, ainda há resquícios dos períodos de glória da capital mais liberal de todo o Médio Oriente.

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Há cidades que não vivem em 1000 anos aquilo que Beirute experienciou apenas nos últimos 3.

Depois de duas invasões estrangeiras, e de uma violenta guerra civil de 15 anos que dilacerou o país e destruiu grande parte da capital libanesa, deixando milhares e milhares de mortos pelo caminho, esperavam-se tempos mais fáceis e prósperos para a cidade mais liberal e ocidentalizada do Médio Oriente.

A situação actual em Beirute é de uma “paz podre”. Quem vê a Mesquita de Al Amin partilhar o mesmo espaço com a Catedral Maronita de São Jorge, precipitadamente pode concluir que esta é uma cidade onde os diferentes credos coexistem pacificamente. E se essa é uma das leituras possíveis, outra, bem menos optimista, pode interpretar cada religião como estando a disputar o seu espaço na sociedade libanesa.

2019-2022 – A cronologia de um desastre

No entanto, tudo recomeçou a descambar a partir dos violentos protestos de 2019. Cansados das elites corruptas e das antiquadas leis sectárias – que ditam que cada representação religiosa tem direito a uma determinada quota representativa na vida política – a população libanesa tomou as ruas. Com níveis de desemprego altíssimos, problemas crónicos de abastecimento de água e electricidade (no nosso Air BnB, por exemplo, a maioria da energia é garantida por um gerador, caso contrário só teríamos luz durante algumas horas por dia) e uma dívida pública absolutamente assustadora, a revolta começou como reacção a uma brutal subida de impostos. Curiosamente, a medida que acabou por acender este rastilho foi a tentativa de o governo passar a taxar chamadas através de plataformas como o WhatsApp.

Ao mesmo tempo, estava a formar-se a pior crise económica e financeira da história do país. Aliás, o Banco Mundial chegou mesmo a chamar-lhe uma das piores crises desde o final do século XIX. Depois de vários anos a convencer a população a depositar os seus dólares a troco de taxas de juro incomportáveis para ajudar a financiar o Estado e o sector bancário, o esquema de pirâmide acabou por colapsar. Com uma dívida assustadora para pagar em dólares e sem reservas suficientes para o fazer, o governo instou os bancos a congelaram toda a moeda estrangeira que os clientes haviam depositado nas suas contas, na prática impossibilitando esses clientes de acederem ao seu próprio dinheiro. Isto é especialmente significativo tendo em conta que existem mais libaneses a viver fora do Líbano do que no país.

No espaço de meia dúzia de meses, estas traquimanhas destruíram a economia local. A Libra Libanesa (LBP – moeda local) perdeu 95% do seu valor inicial, o PIB desceu para menos de metade face a 2018 e milhões de jovens qualificados já deixaram o país. Numa economia altamente dependente da importação de energia, e sem fundos para pagar por essa mesma importação, isto significa que não é raro assistir a postos sem combustível ou quarteirões inteiros às escuras, sem gasóleo para alimentar os geradores (já de si, um plano B).

Para tornar tudo ainda pior, e especificamente para a capital libanesa, deu-se em Agosto de 2020 a famosa explosão no Porto de Beirute, a maior explosão não nuclear da história da humanidade. Milhares de milhões de prejuízo em danos (sem liquidez para os poder pagar), centenas de mortos e uma investigação oficial que não levou a lado nenhum depois, e o que resta é uma cidade repleta de ressentimento, injustiça e cicatrizes, mesmo 2 anos depois da explosão.

Visitar Beirute – Experiência como turista

Para um simples turista, os menos impactados no meio de tudo isto, não deixa de ser surpreendente como Beirut permanece uma cidade segura para visitantes. Mesmo que nos últimos anos a pobreza, a população sem abrigo e a criminalidade tenham aumentado, isso continua a não se repercutir na experiência turística. Mesmo no que toca a negociatas e preços não tabelados, é especialmente enternecedor (e, confesso, embaraçante) perceber que te estão a cobrar o mesmo dólar ou dólar e meio que cobraram ao cliente do lado, cidadão local.

O principal aspecto que deves mesmo ter em atenção, enquanto turista, é a frágil condição da moeda local. O governo libanês recusa-se a deixar que a moeda flutue de acordo com o mercado, estipulando um câmbio oficial que ninguém cumpre e que não é realista. Isto significa que deves trazer todo o dinheiro que pretendas gastar em dólares americanos, e tratares do câmbio aqui através do mercado negro. A título de exemplo, 1 USD equivale a 1500 LBP no câmbio “oficial”. No mercado negro, esse mesmo dólar garante-te 40.000 libras libanesas! Atenção que isto não significa que passes a ser rico no Líbano, uma vez que todos os preços estão adaptados ao câmbio do mercado negro (que é o que realmente reflecte o valor da moeda e o custo de importar o que quer que seja).

Assim sendo, pagamentos com cartão ou levantamentos em caixas multibanco estão absolutamente proibidos! Simplesmente porque, na prática, o teu dinheiro vai valer quase 27x menos do que aquilo que realmente vale.

Expliquemos da seguinte forma: se jantares fora depois de trocares dinheiro no mercado negro e a tua refeição custar um total de 300.000 LBP, isto significa que gastaste cerca de 7,50 USD. Por outro lado, se pagares com cartão ou com dinheiro levantado numa ATM, esse mesmo prato de comida tem o custo absolutamente ridículo de 200 USD!

Nunca cometas este erro e traz dinheiro vivo!

Será que continua a valer a pena visitar Beirute?

De acordo com a experiência que estou a ter até ao momento, a resposta é um rotundo sim! Para já, porque o resto do Líbano tem muito para oferecer e Beirute é a principal porta de entrada no país. Ruínas romanas, praias paradisíacas, mosteiros escondidos na montanha, grutas pré-históricas, souks otomanos – é um destino extremamente completo!

Quanto a Beirute, e para além de ser mesmo muito interessante para quem gostar de geopolítica e história do século XX, a cidade tem os seus momentos de charme. Não esperem um sítio todo arranjadinho e turístico, com fachadas clássicas e um centro histórico imaculado. Lembra-te que a cidade foi devastada por uma guerra civil que terminou há 30 anos.

No entanto, e para além das zonas da Baixa e da Corniche (marginal), reconstruídas e bem-mantidas, Beirute é uma cidade cheia de carácter. É a terra onde o hijab partilha o espaço com as minissaias, onde o adhan (chamamento islâmico para a oração) convive com a música techno e onde erva e shisha são fumadas lado a lado.

É uma cidade de pessoas com alguns dos traços mais bonitos e diversos do mundo e com uma gastronomia típica que não raras vezes figura nas listas de favoritos dos viajantes mais experientes. No fundo, Beirute é a sua própria experiência, completamente à parte do restante mundo árabe. Um exercício do que de melhor e pior a Humanidade te pode dar. Uma dança confusa onde a generosidade e o abjecto andam de braço dado.

Tal como o nome indica, uma cidade à beira do abismo. Mas quando se olha para trás e não se gosta do que se vê, às vezes a solução pode mesmo ser um passo em frente.

Resta saber se Beirut sobrevive à queda.

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