Fatimah e Amir, as duas faces da juventude Iraniana 🇮🇷

  • 15.04.2023 22:54
  • Bruno A.

Na pequena e bela cidade de Kashan, famosa pelas suas casas senhoriais outrora pertencentes a grandes mercadores, o nosso editor depara-se em primeira mão com o choque de ideologias que tem feito capas na actualidade iraniana. De um lado, o conservadorismo draconiano e a manutenção a todo o custo do status-quo. Do outro, o sonho da liberdade e do progresso do país, longe das amarras da Sharia.

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Acordo em Kashan, o meu primeiro contacto com o Irão antigo. O Irão dos bazares, das mesquitas grandiosas e dos palácios ornamentados. Ao contrário de Teerão, é notório que Kashan é uma cidade mais conservadora. Embora continue a ser mais progressista que a generalidade da Península Árabe, as senhoras locais ainda utilizam abayas negras e levam posto o hijab de forma irrepreensível, como mandam os trâmites da doutrina islâmica.

A cidade é um encanto, e se há pessoas que ficam desiludidas com Kashan, nem quero imaginar o que me espera em sítios como Isfahan ou Shiraz. Para além do bazar e da principal mesquita, Kashan é conhecida pelas suas casas senhoriais. Lar de grandes mercadores e comerciantes, existe bem mais de uma dezena de residências históricas, autênticos palácios com milhares de metros quadrados, pinturas coloridas e azulejos vivos. Cada arcada, cada terraço, cada hall. Tudo pensado ao pormenor, o que ajuda a explicar o porquê de todas as mansões terem levado décadas até serem finalizadas.

Fatimah

À entrada para a Casa Abbasi, a primeira que visitei, a minha companheira de viagem é interpelada por uma jovem, que tem como função dar as boas-vindas aos visitantes. Chama-se Fatimah e apresenta-se de hijab, abayah e chador, sendo apenas visível o seu rosto. Visivelmente agradada, congratula-a pela forma como, sendo estrangeira, leva um lenço a tapar o cabelo, algo que muitas visitantes nacionais se recusam a fazer. Kashan é pequena, mas recebe montes de turistas iranianos, a maioria deles proveniente das grandes cidades onde a polémica obrigação de cobrir o cabelo é constantemente desafiada.

A Daniela responde com um sorriso. Daqueles em que apenas a boca mexe mas o olhar permanece intacto, sem as rugas de expressão habitualmente tão vincadas nos cantos dos seus olhos. Cruza o olhar comigo e sei instantaneamente em que está a pensar. Infelizmente, o Irão não é, de longe, o melhor dos sítios para sermos idealistas e nos armarmos em heróis. Para lá das notícias sobre a forma brutal como são tratados os dissidentes, existem também alguns relatos online acerca de cidadãos estrangeiros detidos na sequência da recente onda de protestos.

Não importa. Assumimos a posição ideólogica da Fatimah como sendo resultado do meio familiar/social em que cresceu e agradecemos a simpatia. No interior da Casa Abbasi, reparámos numa série de outras senhoras vestidas exactamente como a nossa nova amiga, todas elas trabalhadoras da residência. No entanto, a sua função, que deveria passar apenas por monitorizar e zelar pelo espaço, tem também outros contornos bem mais sombrios. Uma e outra vez, assistimos a várias turistas iranianas serem repreendidas por não colocarem o hijab de forma “apropriada”. Umas ignoram, outras irritam-se, outras resignam-se e compõem a peça. Outras, pura e simplesmente viram costas e saem.

Assistimos entalados. Ver um mullah iraniano, do sexo masculino, dizer a uma mulher o que vestir já é revoltante. Ter outras senhoras a levarem a cabo a mesma tarefa é simplesmente desolador. São comportamentos que causam repulsa, é certo, mas são também estratégias de sobrevivência. É, no fundo, o instinto humano na sua mais horripilante versão.

Quando saímos da casa, voltámos a encontrar Fatimah. Mais uma vez agradece o respeito pelos costumes locais e, como recompensa, oferece-nos dois pins religiosos, adornados com o símbolo dos 12 Imams sagrados do Islão Xiita. Agradecemos e, com um sorriso amarelo, viramos costas. Se a Fatimah nos conhecesse, progressistas convictos e militantes de esquerda, nunca nos ofereceria estes pins ou a sua amizade. Num outro universo, em que a Daniela nascesse Iraniana, Fatimah estaria do outro lado da barricada, admoestando-a numa qualquer praça do país, à medida que os seus cabelos longos e negros esvoaçariam, livres, em sinal de protesto e liberdade.

Amir

Visitámos outras três casas históricas, intercaladas com passagens por um Santuário Xiita e pelos Banhos de Sultan Amir, um dos edifícios com os interiores mais mirabolantes que já vi. Em todas elas, repete-se o ritual das zangas e interpelações a mulheres iranianas com o cabelo “demasiado descoberto”. Numa delas, entrámos por engano no restaurante da unidade. Somos prontamente chamados por Amir (não é seu nome verdadeiro), que, divertido com a situação inusitada, nos encaminha para o local correcto.

A estatura ainda deixa margem para dúvidas, mas a carinha não engana – Amir parece ser ainda adolescente. No seu estilo descomplexado e inglês surpreendentemente irrepreensível, conta-nos um pouco da história daquela antiga mansão. Explica-nos que todas as casas históricas de Kashan são privadas, mas que são obrigadas a impor as normas do governo, caso contrário serão encerradas. Isso explica a enxurrada de capas negras a monitorizar o comportamento das convidadas. Antes que pudessemos sequer perguntar, Amir começa a desbobinar a sua opinião sobre a temática.

Diz que o regime é uma vergonha e que já ninguém o respeita. Ri-se, acrescentando que ainda vai parar à cadeia por causa desta opinião. Face ao seu conforto e à vontade, começamos a disparar perguntas, às quais responde sem hesitar e com muito bom humor. Refere que só uma pequena franja do Irão é religiosa e que a maioria da população não quer saber. Dá o exemplo do Ramadão, onde todos comem o que querem, quando querem, e os estabelecimentos estão sempre abertos. Pelo meio, diz que está optimista em relação ao futuro… Nem que seja a (muito) longo prazo. “Só temos que esperar que estes gajos morram todos. Quando a minha geração tomar conta do país, irá mudar o Irão por completo”.

A julgar por aquilo que temos visto, não temos como não concordar. Quando isso acontecer, o choque será total. Para o país, que poderá adaptar as suas leis e política externa à verdadeira vontade da maioria do seu povo. Para o mundo ocidental, que deixará de poder retratar o Irão como um bando de extremistas. E também para Fatimah, que se deparará enfim com o facto de pertencer a uma minoria na sua própria nação. Felizmente, poderá continuar a utilizar hijab, chador e abayah, desfrutando assim da liberdade que não deseja para os outros.

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