Nakhchivan, o canto mais obscuro do Cáucaso 🇦🇿

  • 25.05.2023 14:45
  • Bruno A.

Para a sua última crónica no Azerbaijão, o nosso editor leva-nos consigo até ao misterioso exclave de Nakhchivan, separado do resto do país pelo arqui-inimigo Arménio. Nas suas palavras, este é provavelmente o lugar mais desconhecido e obscuro que já pisou. Acompanha-o e descobre um dos melhores segredos do Cáucaso.

Queres receber notificações acerca de novas ofertas?

Regista-te e decide a frequência de envio. Não vamos enviar spam!

Chego ao aeroporto de Baku às 5h30 da manhã. O terminal, novo, envidraçado e resplandecente, é um dos melhores do mundo na sua categoria. Uma pequena amostra daquilo que é a capital Azeri, uma metrópole bela e bem mantida, onde quase tudo parece pensado ao pormenor e desenhado para impressionar o olhar alheio. Procuro incessantemente o meu voo, mas não o encontro. Quando me aproximo do balcão de informações, alertam-me que os voos internos não saem deste terminal, mas sim de um secundário, apontando-me na direcção correcta.

Chegado então ao terminal 2, parece que entrei numa realidade paralela. Aqui, numa estrutura bem mais antiga, o tempo parece parado nos anos 80. As confortáveis cadeiras de polipropileno dão lugar a bancos de ferro e estofos vermelhos, as grandes cadeias de restauração e cafetaria são substituídas por uma única banca de venda de snacks, e a azáfama do Terminal 1 fica definitivamente à porta. Deste edifício saem apenas 5 voos diários para Nakhchivan, o meu inusitado destino para os próximos 3 dias.

Se experimentares olhar para o mapa, verás que Nakhchivan é um exclave do Azerbaijão, completamente separado do resto do país pelo arqui-inimigo Arménio. Por isso mesmo, voar é a única forma de viajar entre os 2 locais, com outra meia dúzia de autocarros a entrar diariamente a partir do Irão e da Turquia, os outros 2 países que fazem fronteira terrestre com Nakhchivan.

Dia 1 – Ordubad

Assim que aterro, é impossível não reparar na pequenez do Aeroporto de Nakhchivan, que mais se assemelha a um terminal de autocarros. Saio para a rua, e sabendo de antemão que não existem autocarros a passar no local, entro num táxi que me levará à Avtovagzal (essa sim, a verdadeira estação de autocarros). Pelo caminho, vou atento a cada ínfimo detalhe. Há algo de bastante peculiar na capital desra região autónoma Azeri, a que enfadonhamente chamaram de Nakhchivan City.

Tudo parece estranhamente organizado. Os espacos verdes e edifícios, todos imaculadamente tratados e com traços quadrados, não dão azo a enganos: esta é, definitivamente, uma cidade construída durante a União Soviética, com os seus mosaicos coloridos, estradas largas e um ambiente que varia entre o vazio e o desolado. Uma cidade erigida à imagem das capitais da Ásia Central, como Astana ou Bishkek. É uma sensação extremamente difícil de explicar, mas depois de visitares um destes sítios, é possível tirar a pinta a todos os outros.

Chegado à estação, entro numa marshrutka rumo a Ordubad, a segunda maior “cidade” (se isso lhe podemos chamar) da região. Pelo caminho, é impossível não ficar impressionado com a paisagem das montanhas do Cáucaso, a cordilheira que rodeia Nakhchivan, e que garante que, para onde quer que olhes, os picos cobertos de neve estarão sempre a espreitar no horizonte. Porquê Ordubad? A verdade é que não faço a mais pálida ideia. A informação sobre Nakhchivan é extremamente limitada (em português, então, é inexistente), mas li algures que era um sítio que valia a pena visitar. Atracções? Pontos de interesse? Coisas para fazer? Desembarco do autocarro a saber tanto quanto vocês!

De forma espontânea, dedico-me a tentar entrar em todos os edifícios com ar minimamente histórico que encontro. Alguns estão invariavelmente encerrados, mas por acidente lá encontro 3 ou 4 mesquitas interessantes, um pequeno lago artificial e até um caravanserai abandonado. Não faço deia de quando foi construído, mas pela traça parece definitivamente antigo. Pelo meio, uma praceta repleta de mesas e cadeiras onde os mais velhos se dedicam à jogatana. Se em Portugal se consensualizou a Sueca e o Fino, por estas bandas reina o Dominó e o chá. Hábitos aparentemente mais saudáveis, não fosse a força com que a malta mais aguerrida bate com cada peça na mesa, como forma de afirmação. Consigo perceber pelas cúpulas que o principal edifício de onde saem as incontáveis chávenas de café para as mesas se deverá ter tratado de um hammam, uma zona tradicional de banhos. Agora, cada porta é um pequeno tasco. Sinais dos tempos. Talvez daqui a 10 anos, quando o turismo chegar cá em força, estes tascos fechem para dar lugar a casas de brunch ou “lavasherias” (em honra do lavash, o pão típico da região).

Por acidente, um dos edifícios onde entro é na realidade o museu de história de Ordubad. Quando vêm um estrangeiro a entrar, o staff não consegue disfarçar a surpresa. Entre o inglês limitado do segurança e o meu russo praticamente inexistente, lá conseguimos trocar algumas impressões. Quando me pergunta o que vou fazer depois e respondo com um encolher de ombros, leva-me pela mão durante 200 metros até um outro museu: a antiga Casa de Yusif Mammadaliyev, um dos químicos mais importantes do século XX. Se, tal como eu antes da minha visita, também nunca ouviste este nome, trata-se de um importantíssimo cientista, considerado o “Pai dos Petroquímicos”. Pelos vistos, Yusif, nascido e criado neste pequeno pedaço de Azerbaijão, foi capaz de desenvolver um processo químico através do qual os combustíveis passaram a ter maior potência e duração. Sem este aparentemente inócuo mas importante desenvolvimento, a artilharia e força aérea Soviéticas nunca teriam sido capazes de fazer frente à Alemanha Nazi, nem Yuri Gagarin teria alguma vez sido capaz de ir ao espaço. À conta destes contributos, Mammadaliyev foi agraciado com a Ordem de Lenin, a condecoração mais alta atribuída a cidadãos da União Soviética.

Como é que descobri isto tudo? Para minha surpresa, o museu é gerido por uma senhora que é capaz de falar algum inglês. Durante praticamente uma hora, mostrou-me todos os cantos da casa e explicou detalhadamente a vida deste famoso químico. Dava para perceber que estava genuinamente contente de receber estrangeiros no seu museu, continuamente pedindo ajuda do resto do staff (incluindo a Babushka mais querida do Azerbaijão) para garantir que estava tudo impecável. Gente querida, a de Nakhchivan.

Ao final do dia, foi tempo de regressar à base em Nakhchivan City, a capital, e finalmente fazer check-in no hotel. Existem apenas 4 ou 5 hotéis que podes encontrar na região através da internet. Uma vez que a oferta é extremamente limitada e a esmagadora maioria da malta vem cá em negócios, os preços são surpreendentemente caros. O mais barato, de longe, ficou por 45€/noite com PA. Como seria de esperar, e embora fosse bastante limpo e confortável, o hotel tinha aquela aura de filme de época – como se pudesse perfeitamente servir de cenário a um filme da Guerra Fria. No entanto, dormiu-se bastante bem, e ainda deu para ver o City a desancar no Real Madrid num canal de TV público.

 

Dia 2 – O Castelo de Alinja

Para o meu primeiro dia completo em Nakhchivan, guardei aquele que é o ponto alto (bem, literalmente) da região: o fabuloso Castelo de Alinja. É curioso dizer em voz alta que um dos sítios mais impressionantes que já vi fica numa terra da qual ninguém nunca ouviu falar, mas depois de visitar este lugar, esta é uma frase que vou dizer com frequência. Meus caros, o Castelo de Alinja é uma das coisas mais estupidamente bonitas que já vi na vida, assumindo a forma de uma fortaleza para lá de antiga, situada no topo de um promontório. Para lá chegar, é necessário encontrar um táxi na capital. Por cerca de 35€, lá encontro uma alma que faça os 70 km (ida-e-volta) e ainda aceite esperar umas horitas na base do castelo. Pela negociação, lá consegui acrescentar um desvio extra de 25 km para ver a Ashab-i Khef, conhecida como a Caverna dos Sete Adormecidos de Ephesus.

Chegado ao Castelo de Alinja, o motorista ri-se e aponta para a longa escadaria até ao topo da fortaleza. Agora entendo a graça. Ao todo, são 1520 degraus até ao ponto mais alto do castelo, uma tarefa que deixou os meus gémeos em sofrimento durante as 72 horas seguintes. Na realidade, não há muito que possa dizer sobre o castelo que não fique perfeitamente claro pelas imagens. Fenomenal, sublime, majestoso – todos os adjectivos que possas empregar. Chamam-lhe o Machu Picchu do Cáucaso, e, tal como a sua congénere peruana, podia muito bem ser considerada uma das Sete Maravilhas do Mundo. Impenetrável, inconquistável. Se ainda hoje é difícil chegar lá acima, imagina há séculos, o que ajuda a explicar que nem Timur, o famoso líder da Ásia Central (e provavelmente o mais temível logo atrás de Gengis Khan) nunca tenha conseguido tomar este castelo. Após 6 meses no Médio Oriente e Cáucaso, este entra directamente para o topo dos sítios mais espectaculares que visitei nesta aventura!

No entanto, ainda havia uma tarde inteirinha para desfrutar em Nakhchivan City, onde ainda não tinha perdido tempo a visitar o que quer que fosse. Apesar do seu ar descaracterizado, a capital tem também vários pontos dignos de registo. Entre o Palácio dos Khans de Nakhchivan, o Castelo de Yezidabad e a novíssima Mesquita Heydar, o meu local favorito foi o Mausoléu de Momine Khatun. Prática comum em alguns dos impérios que governaram Nakhchivan, construir mausoléus era uma forma de homenagear pessoas importantes e extremamente estimadas, pelo que, por toda a região, existem dezenas destes edifícios ornamentados. Outro exemplar bastante famoso é o Mausoléu de Noé, uma vez que se acredita ter sido em Nakhchivan que a sua arca encontrou poiso após o dilúvio. O monumento foi construído no local onde alguns creem que Noé foi sepultado.

 

Dia 3 – Garabaghlar

O terceiro e último dia acabou por ser mais curto que os antecessores, uma vez que tinha viagem de regresso a Baku ao final da tarde. À semelhança do dia anterior, era necessário encontrar um táxi que aceitasse levar-me a dois locais, esperar, e ainda trazer-me de volta a Nakhchivan City. Desta feita, o negócio foi feito por pouco mais de 30€ pela deslocação total de 90 km.

O tempo não estava famoso, e fomos pela primeira brindados com chuva e trovoada. Escusado será dizer, as tempestades em zona de montanha tendem a ser bastante mais audíveis e violentas, com um ventania terrível e relâmpagos consecutivos perfeitamente visíveis a olho nu durante o dia. Não obstante, lá segui caminho com o meu novo compincha até à insuspeita aldeia de Garabaghlar. Não há muito para ver ou fazer num sítio tão rural, mas esta terra é conhecida pelo fabuloso Mausoléu de Garabaghlar, provavelmente o maior e mais bem mantido de Nakhchivan. Ao contrário dos outros exemplares, dos quais já só sobra a torre, este mausoléu ainda está acompanhado da devida mesquita, embora apenas os minaretes ainda sejam antigos. O complexo foi profundamente renovado em 2015/2016, o que explica o seu ar super-aprumadinho quando comparado com os restantes.

No regresso, novo desvio da rota principal, desta feita à ao Centro de Terapias de Duzdag. Situado no interior de umas antigas minas de sal, este é um complexo subterrâneo composto por várias clínicas e centros de tratamento para doenças respiratórias. De acordo com a Haloterapia, existem certas condições – como asma, bronquite, infecções respiratórias e alergias – que podem ser mitigadas através da respiração de partículas de sal. A malta de cá parece acreditar bastante nisso, pelo que é possível alugar um quarto num dos centros e passar a noite em tratamento. Para quem não pernoitar aqui, continua a ser possível percorrer um túnel subterrâneo com cerca de 200/300 metros e ter um gostinho do que é estar dentro de uma mina de sal.

Depois de visto o túnel, e com os ponteiros do relógio a avançarem a olhos vistos, era então tempo de apanhar o voo de regresso a Baku. Como seria de esperar, este não é o tipo de aeroporto onde vás encontrar McDonald’s ou lojas Duty Free. Umas escadas rolantes, um barzito a vender bolachas, bolos e batatas fritas, e é tudo! Como detalhe importante, resta mencionar que os voos entre Baku e Nakhchivan (1 hora) têm um preço fixo, independentemente dos dias, horários ou antecedência da compra. Para estrangeiros, o preço de cada voo (apenas ida) é de 70 MANAT (cerca de 37,50€).

Visitar Nakhchivan – Balanço

Lembro-me perfeitamente da primeira vez que ouvi falar deste sítio. O ano era 2019, e estava a pesquisar o que fazer no Azerbaijão no âmbito de uma grande viagem que iria fazer em…2020 (ahah). Por acidente, tropecei neste exclave. Gostei do que vi e li, mas nunca perdi grande tempo com este destino. O facto de não gostar particularmente de voar e de ficar bastante à desamão, acabou por me fazer colocar Nakhchivan de lado quase instantaneamente.

Agora, quase 4 anos depois, e com a oportunidade de passar 1 mês inteiro no país, acabei por ir namorando a ideia aos bocadinhos. A custo, lá coloquei a minha aversão infundada aos voos de lado e comprei as passagens. Não podia ter tomado melhor decisão! Nakhchivan é remota e desconhecida, mas é bem mais desenvolvida que aquilo que esperava. Especialmente na capital. Afinal, e apesar de serem um exclave e só ser praticamente possível entrar e sair por via aérea, as pessoas continuam a ser livres de circular quando bem entenderem. Podem viajar, ler, ver filmes/séries e aceder à internet de forma (relativamente) livre. Não sei porquê, mas associava fortemente este isolamento físico a um isolamento mental e social, como se, de alguma forma, não fosse possível a estas pessoas conhecerem outra realidade.

Nakhchivan City está longe de ser um fim do mundo. É bizarra, sim, mas desenvolvida, mesmo que não tenha lojas de reputadas cadeias internacionais ou grandes shoppings para mostrar. Depois, claro, há tudo o resto. O Castelo de Alinja (nunca me vou cansar de hype este sítio), os mausoléus monumentais e as cúpulas verde-água. A paisagem absolutamente inacreditável e as gentes, porventura as mais simpáticas e hospitaleiras do Cáucaso, sempre curiosas em relação ao motivo da minha visita e, mais importante, se estava a gostar da sua terra.

Nakhchivan é um destino essencial para quem visita o Azerbaijão. Se és um dos poucos tugas que pensa aventurar-se por este país, faz um favor a ti próprio e marca o teu voo para Nakhchivan. Estejas apenas de passagem por 1 semana, 10 dias ou uma quinzena, subir ao Castelo de Alinja tem que estar no topo das tuas prioridades. Nakhchivan agradece. E tu também o farás.

Outras crónicas do nosso Editor pelo Médio Oriente e Cáucaso:

Seguro de Viagem

Para contratar o teu seguro de viagem recomendamos a Heymondo, que tem aquela que é, para nós, a melhor gama de seguros da atualidade, com uma relação qualidade-preço imbatível, e que inclui também cobertura para os teus equipamentos eletrónicos.

Se reservares connosco, através deste link, tens 5% de desconto no teu seguro e, ao mesmo tempo, dás-nos uma ajuda preciosa 🙂

Consulta do Viajante

Aconselhamos a marcar a tua consulta na Consulta do Viajante Online. Insere o código flamingo para teres 5% de desconto em consultas para 2 ou mais pessoas.

Tours & Atividades

Reserva já os teus tours ou atividades no Viator, do grupo Tripadvisor! E ao fazê-lo estás-nos a dar uma grande ajuda 🙂

Queres receber notificações acerca de novas ofertas?

Regista-te e decide a frequência de envio. Não vamos enviar spam!

Sugestões de viagem