Estrada de Homs a Aleppo – 100 quilómetros de luto 🇸🇾

  • 17.12.2022 16:46
  • Bruno A.

E ao 4º dia, a Síria dos noticiários finalmente se revelou perante mim. A Homs e Aleppo, duas das principais cidades sírias, separam-nas 100 quilómetros de asfalto. Uma estrada outrora populada por várias vilas e onde nenhuma foi poupada pelos horrores da guerra. Um verdadeiro soco no estômago.

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Homs

O dia começa em Homs. Para os que estiveram atentos aos noticiários na última década, esta cidade é sinónimo de destruição. Infelizmente, a realidade faz jus à fama.

Embora alguns quarteirões estejam de regresso à vida, o centro de Homs foi completamente devastado pelas constantes trocas de artilharia entre o exército sírio e os animais do Daesh. Percorrendo a avenida principal, é impossível não ficar inquieto com o silêncio. Como pano de fundo, centenas de prédios vazios, esqueletos – alguns colapsados – de uma cidade que não voltará a ser.

Paramos numa igreja ortodoxa e numa mesquita, ambas em constante reconstrução após serem utilizadas por várias partes da guerra como quartéis-generais. São bonitas, mas é impossível abstrair-me de tudo o que (não) se passa à minha volta. Olho para as janelas estilhaçadas, ou inexistentes, e imagino as senhoras a monitorizar o bairro. Olho para as fachadas, descascadas de qualquer adorno e com as traves à mostra, e imagino os decalques e padrões beges típicos da arquitectura mamluk, o império egípcio que por aqui passou. Olho para as ruas desertas e cobertas de escombros, e imagino os miúdos aos chutos numa bola enquanto vestem a camisola de um qualquer ídolo, provavelmente português.

Mas a mente prega partidas, nada disto está lá, e é hora de voltar à estrada.

Estrada de Homs a Aleppo, Síria

De Homs a Aleppo são pouco mais de 2 horas de viagem. Entrecortamos o caminho com algumas paragens pelo meio. Uma pausa para encontrar gasolina no mercado negro. Uma pausa para comprar manteiga tradicional. Uma pausa mais à frente naquela que será a última estação de serviço (se é que se pode chamar a isto uma estação de serviço) para beber café e usar o WC.

A Síria atravessa actualmente uma grave crise de falta de petróleo. Por essa razão, todos os postos de gasolina estão vazios e a esmagadora maioria das estradas desertas. Este não é excepção. Diz-me o guia que esteve 17 dias à espera para conseguir encontrar combustível. Hoje, finalmente recebeu o contacto que tanto esperava: arranjaram-lhe 25 litros de gasolina. Não dá para grande coisa, mas está contente.

Um autocarro barulhento estaciona poucos minutos depois de chegarmos. 20, talvez 30 homens fardados fazem fila atrás de nós para beber café e comprar pão antes de voltarem à estrada. São militares, diz-me o guia. Uma pequena multidão armada para decorar os meus pensamentos e fazer pendant com a paisagem de destruição.

Os próximos 100 km não têm nada – diz-me Tayseer. Come e bebe alguma coisa por aqui, porque depois teremos uma longa viagem sem ver vivalma. Uma estrada que é um autêntico cemitério de sonhos a céu aberto. Um longo asfalto polvilhado com dezenas de pequenas vilas aonde agora não mora ninguém, depois de serem varridas pelo conflito que, para seu mal, percorreu de forma inapelável esta mesma estrada. Ficaram as casas, abandonadas e em ruínas.

São 100 km de ninguém, nada a não ser absoluta desolação. Mas a mente volta a pregar partidas. E ao passar pelas carcaças nuas das tantas casas e vilarejos hoje destruídos e abandonados, os pensamentos fogem-me.

Hoje está frio, o céu está nublado. Mas a mente prega-me partidas, e imagino o sol a abrir. Os esqueletos das casas térreas permitem-me imaginar como seriam, antes de tudo isto: casinhas cuidadas, com detalhes em pedra à volta das janelas e portas. Posicionadas de forma delicada, rodeadas de árvores. Depois de cada conjunto de 10 a 20 casas segue-se uma espaçosa clareira onde ainda há vestígios da abundância de outros tempos: aqui cresciam maçã, azeitona, pistachio. É fácil imaginar como seria bonito.

Com o céu azul, o sol forte, as casas habitadas, quiçá roupa estendida a esvoaçar numa corda, as árvores a brotar de flores e frutos. Eram terras de grande abundância, volta a dizer Tayseer. Só vejo resquícios de coisa nenhuma, mas a mente prega partidas, e a minha recusa-se a aceitar. Fogem-me novamente os pensamentos e desta feita vejo também agora os pastores, os animais de pasto, e o espaço idílico que criei enche-se de gente.

Quantas mais aldeias abandonadas, casas destruídas, terrenos baldios, mais a minha mente produz. E durante 100 km, invadi aquelas terras de memórias que não são minhas, mas que adoptei de outros que ouvi narrar a verdadeira Síria. A Síria que não nos mostraram na televisão e nos jornais. É tão fácil imaginar como seria, quase como se a imagem do antes ainda pairasse subtilmente, qual holograma que se esfuma em frente dos meus olhos.

E é desolador ver como está. Recuso-me a aceitar, e a minha mente continua a pregar partidas pela estrada fora. São 100 km que deveriam ser mentira. E quem me dera que tudo não fosse apenas uma partida cruel da minha imaginação.

Dizem que o luto vai da negação à aceitação, com algumas outras fases pelo meio. E se isto é a minha mente em negação, então talvez tenha começado aqui o meu luto por este país. Oxalá nunca consigamos aceitar que assim foi, ou que assim é. Porque a Síria merece um amanhã mais parecido com o ontem do que com o hoje.

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