Na crónica final da sua aventura pelo Médio Oriente, o nosso editor recria a foto tirada pelo seu avô imigrante, 30 anos antes, nas lendárias ruínas iraquianas da Babilónia. Uma reflexão sobre narrativas imaginárias e a ideia de regressar a “casa”.
O tempo voa. Já lá vão mais de 6 meses desde o meu regresso do Médio Oriente, mas fui, repetidamente, adiando a publicação desta crónica. Na verdade, já passou mais tempo desde que regressei que os 199 dias que passei, de forma consecutiva, no Líbano, Síria, Jordânia, Arábia Saudita, EAU, Omã, Irão, Geórgia, Arménia, Azerbaijão e Iraque. A cada dia que passa, confesso que sinto crescer esta incontrolável vontade de meter a mochila às costas e voltar à estrada, como se cada dia extra “em casa” fosse um martírio maior que o dia anterior. “Casa”… sinceramente, após mais de 3 anos em constante vai-e-vem, eu já nem sei bem o que é casa.
Esta sensação, de só me sentir bem longe do que me é familiar, e de tratar os regressos a casa como meras formalidades, tem-me feito lembrar, com mais frequência do que é normal, o meu avô João. Na realidade, mentiria se dissesse que conheci bem o meu avô, falecido quando tinha apenas 10 anos, mas conheço-lhe a história de vida. Sem qualquer instrução formal ou dinheiro amealhado, foi na construção civil (vulgo, trolha) que o meu avô encontrou forma de sustentar a família, passando várias décadas imigrado em África e no Iraque. À conta disso, criei, no meu imaginário, o ideal de um aventureiro e um explorador. De um conhecedor do mundo. Infelizmente, nunca terei forma de saber até que ponto isso seria verdade. Provavelmente, não seria.
De qualquer das formas, das “aventuras” meu avô por terras iraquianas, resta esta fotografia, tirada nas ruínas da lendária Babilónia. O que é que estaria a fazer ali? Terá ajudado nas renovações das ruínas no final dos anos 80? Terá feito parte da construção do Palácio de Saddam, situado a escassos metros distância? Ou terá apenas aproveitado uma folga para conhecer o local mais emblemático do país que o acolheu? Não importa, porque chegar à lendária Babilónia, com esta foto, e conseguir colocar os pés no exacto local onde o meu avô havia pousado os seus mais de 30 anos antes, foi um momento catártico. Emocional, até.
No entanto, não consigo afastar esta sensação de um idealismo romântico que choca de frente com a realidade contrastante. Da minha mãe e tias, os relatos são de um homem mau e austero, cuja entrada em casa era suficiente para instaurar o terror. Um homem violento e com vários vícios. Um narcisista temperamental, capaz de ir do riso à ira num piscar de olhos. No entanto, foi acima de tudo um pai ausente. Quando morreu, há quase 20 anos, fê-lo como o mesmo desconhecido que as viu nascer, e a sua partida deixou mais expressões de apatia que lágrimas de tristeza.
Ele visitou outros países… Mas terá realmente viajado? Lembrando a sua expressão enfadada em frente à televisão aquando da deposição de Saddam, lembrando-o como um grande estadista, tenho que duvidar. Saberia ele da importância do solo sagrada que estava a pisar? Do meu avô, não recordo uma única palavra sobre política, história ou geografia. Na realidade, muito pouco recordo da sua pessoa.
Curiosamente, quando consegui finalmente encontrar o local exacto onde a tua fotografia foi tirada, após horas a deambular pelas ruínas, a primeira sensação foi de uma certa desilusão. O caminho, outrora limpo e desimpedido, estava agora coberto de materiais de construção. Tubos, sacos de cimento, barreiras para impedir a passagem. As torres da imagem, cravadas com representações animalescas das divindades antigas, estavam cobertas com um pano, de forma a proteger a arte da poluição visual e sonora dos trabalhos de renovação. Da tua foto, reconhecia apenas umas árvores, o corredor entre as torres e um pequeno arco, situado no canto esquerdo da imagem, e que batia certo com o enquadramento. Talvez essa seja a lição a retirar. Estava tão focado em replicar a tua imagem, em honrar a memória tão romantizada que tenho de ti, que acabei por ignorar o mundo que, seguramente, nos separa, e o lado de ti que não conheço (nem nunca poderei conhecer).
“És da minha carne e do meu sangue, mas não te entendo”. Talvez seja melhor assim. No meu ideal, continuarás a ser o avô aventureiro e viajado. Mas provavelmente foste apenas um produto do teu tempo e da tua educação, escassa, pobre e de pé descalço. Imagino-te como alguém que só queria partir. Mas talvez tenhas sido apenas um homem que não suportava a ideia de ficar… Um pouco como eu me sinto agora. Será que teremos isso em comum? Confesso que a ideia de me parecer contigo é assustadora.
Nada disso importa. De nós fica esta foto e este momento. A milhares de quilómetros de distância e a 6 palmos de profundidade, que isto possa significar tanto para ti, como significou para mim. Até sempre, Avô.
Para contratar o teu seguro de viagem recomendamos a Heymondo, que tem aquela que é, para nós, a melhor gama de seguros da atualidade, com uma relação qualidade-preço imbatível, e que inclui também cobertura para os teus equipamentos eletrónicos.
Se reservares connosco, através deste link, tens 5% de desconto no teu seguro e, ao mesmo tempo, dás-nos uma ajuda preciosa 🙂
Aconselhamos a marcar a tua consulta na Consulta do Viajante Online. Segue esta ligação para marcar a tua consulta.
Reserva já os teus tours ou atividades no Viator, do grupo Tripadvisor! E ao fazê-lo estás-nos a dar uma grande ajuda 🙂